Fé, Fúria e Contradição: Noite de UFC no Rio tem Louvor Gospel, Hostilidade a Estrangeiros e Ofensas a Popó

Foto: Charles do Bronx após vitória Arthur Falcão/ Jornal O Globo

A Farmasi Arena foi palco de um espetáculo que transcendeu o octógono, com a torcida brasileira exibindo uma complexa mistura de fervor religioso e comportamento hostil, levantando um debate sobre os limites da paixão esportiva.


Rio de Janeiro – A noite de sábado no UFC Rio prometia ser um espetáculo de força, técnica e superação dentro do octógono. E foi. Mas fora dele, nas arquibancadas lotadas da Farmasi Arena, a torcida brasileira deu um show à parte, tornando-se a verdadeira protagonista de uma noite marcada por profundas contradições. Entre a fé expressa em louvores e a fúria direcionada a ídolos e estrangeiros, o evento deixou uma pergunta no ar: onde termina a paixão e começa o desrespeito?


Um dos pontos que mais chamou a atenção foi a trilha sonora que embalou a entrada de alguns atletas brasileiros. Em um ambiente conhecido pela testosterona e pela agressividade, os alto-falantes ecoaram músicas gospel, com louvores conhecidos por grande parte do público cristão. O momento, que já se tornou uma marca registrada para muitos lutadores que professam sua fé, serviu para inflamar a torcida de forma positiva, unindo milhares de vozes em um sentimento de orgulho e esperança.


Contudo, essa atmosfera de aparente comunhão se desfazia rapidamente. A mesma voz que entoava canções de adoração se transformava em um coro de vaias ensurdecedoras a cada anúncio de um lutador estrangeiro. A tradicional rivalidade do esporte pareceu, em muitos momentos, dar lugar a uma hostilidade que beirava a xenofobia, criando um ambiente desconfortável e antidesportivo para os atletas que vinham de fora do país.


A animosidade da plateia não se limitou aos competidores do card. O tetracampeão mundial de boxe, Acelino “Popó” Freitas, uma lenda do esporte nacional presente no evento, tornou-se um alvo inesperado. Gritos e cantos ofensivos foram direcionados ao pugilista, em uma clara demonstração de que, no calor da paixão clubística do MMA, nem mesmo os grandes ídolos de outras modalidades são poupados.
O episódio na Farmasi Arena serve como um espelho da complexidade do torcedor brasileiro, mas também como um convite à reflexão, especialmente para o público cristão. É possível conciliar a expressão pública de fé, como tocar um louvor antes de uma batalha, com um comportamento que abertamente desrespeita e ofende o próximo?
A Bíblia nos ensina em Romanos 12:18: “Se possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens”. A paixão pelo esporte é legítima e contagiante, mas o episódio do UFC Rio nos força a questionar se os valores que defendemos dentro de nossas igrejas estão sendo transportados para as arquibancadas.


A noite de lutas no Rio de Janeiro deixou um rastro de nocautes e finalizações, mas também uma profunda interrogação sobre a coerência entre o que cantamos e o que gritamos, entre a fé que professamos e a forma como tratamos o outro, seja ele um adversário estrangeiro ou um ídolo nacional.